
Introdução
A discussão sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS foi, sem dúvida, o tema tributário mais relevante julgado nas últimas décadas, justificando a alcunha dada ao tópico (“tese do século”). Evidências de seu impacto não apenas na seara jurídico-tributária são inúmeras, tendo sido, por exemplo, um dos fatores motivadores da edição da EC n. 114/21 (fruto da conversão da “PEC dos precatórios”), que instituiu o parcelamento no pagamento de precatórios a serem pagos até 2026, bem como da Medida Provisória n. 1.202/24, convertida na Lei n. 14.873/24, que introduziu limitação à compensação de créditos tributários reconhecidos em demandas judiciais.
Demais disso, o julgamento do RE 574.706 (Tema 69), que julgou ser inconstitucional a inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, não decidiu apenas a tese em si, mas também abriu caminho para outras discussões assemelhadas (popularmente denominadas “teses filhote”), como a inclusão do ISS na base de cálculo da Contribuição ao PIS/COFINS, a inclusão do PIS/COFINS em sua própria base, a inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB, dentre outras.
Até hoje, mais de sete anos após o julgamento do RE 574.706, suas repercussões irradiam efeitos práticos sobre o cenário do contencioso tributário nacional.
Uma das chamadas “teses filhote” que merece atenção trata da discussão sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Este estudo busca aprofundar essa análise, traçando um paralelo entre a sua “tese-mãe”, explorando o histórico dos julgamentos recentes de outras “teses filhote”, bem como analisando a necessária distinção destas para aquela.
Contribuição ao Funrural – breve histórico
Antes de tratar da tese em si, importante tecermos alguns breves comentários acerca do turbulento histórico da Contribuição ao Funrural, objetivando melhor contextualização do tema.
A Contribuição ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) foi originalmente instituída pela Lei nº 8.870/94, com o objetivo de financiar a previdência social dos trabalhadores rurais. Inicialmente, a cobrança era calcada sobre o “valor estimado da produção”, um critério abstrato que não encontrava respaldo direto na Constituição Federal de 1988. Essa falta de previsão constitucional específica para tributar grandezas como o “valor estimado” tornou-se o cerne de controvérsias judiciais.
Em 1996, no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI – 1.103/DF), o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da contribuição, sob dois fundamentos principais:
- Ausência de lei complementar: A Constituição exige, para a instituição residual de novas contribuições sociais, a edição de lei complementar (art. 195, §4º), o que não ocorreu no caso;
- Falta de previsão constitucional: À época, a Constituição não autorizava expressamente a tributação sobre o “valor estimado da produção”, tornando a base de cálculo ilegítima.
Diante dessa decisão, o legislador reagiu. Com a Emenda Constitucional nº 20/1998, que alterou o art. 195, I, b, da CF/88, passou-se a permitir a instituição de contribuições sociais sobre a “receita bruta” ou o “faturamento”. Esse ajuste constitucional abriu caminho para a reinserção da Contribuição ao Funrural por meio da Lei nº 10.256/2001, que revogou a redação anterior e vinculou a contribuição à “receita bruta da comercialização da produção”.
A constitucionalidade do novo regime foi posteriormente ratificada pelo STF no Tema 281 (RE 611.601/PR), julgado em 2022. A Corte entendeu que:
- A expressão “receita bruta” do art. 195, I, b, da CF/88 abrange a receita proveniente da comercialização da produção agroindustrial;
- A contribuição substitutiva (que substitui a tributação sobre a folha de pagamento) é compatível com o sistema previdenciário;
- É legítimo utilizar a mesma base de cálculo para múltiplas contribuições sociais.
Atualmente, portanto, o regime substitutivo inaugurado pela Lei n. 10.256/01 é obrigatório para agroindústrias e produtores rurais nele destacados, sendo a tributação previdenciária calculada sobre a receita bruta da comercialização de sua produção. Diferentemente de regimes substitutivos facultativos (como a CPRB, que trataremos adiante), não há possibilidade de escolha: a adesão é compulsória, justificada pela necessidade de adaptar a tributação à realidade econômica do setor, marcada por ciclos de produção sazonais e fluxo de caixa irregular.
A obrigatoriedade decorre da Lei nº 8.212/1991 (art. 22-A), que estabelece que as agroindústrias devem recolher a contribuição sobre a receita bruta, sem alternativa de retorno à tributação sobre a folha de salários.
A trajetória legislativa da Contribuição ao Funrural ilustra a evolução do direito tributário brasileiro em direção a bases de cálculo constitucionalmente validadas. Se, no passado, a contribuição foi declarada inconstitucional por ausência de suporte na Carta Magna, hoje ela está consolidada como instrumento legítimo de financiamento da previdência social dos trabalhadores rurais.
A “Tese do Século” e a repercussão do Tema 69 sobre suas “teses filhote” Como se sabe, a discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição ao PIS/COFINS teve início ainda na década de 90 do século passado, chegando ao STF, por meio do Recurso Extraordinário n. 574.706, em 2007.
Após inúmeros adiamentos e mudanças na composição da Corte, o Recurso finalmente veio a ser julgado sob o Tema 69, havendo sido decidido que, de fato, a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição ao PIS/COFINS seria inconstitucional. Deste então, outras teses semelhantes vêm sendo testadas perante o Poder Judiciário.
De se destacar o julgamento acerca da inclusão do ISS sobre a base de cálculo da Contribuição ao PIS/COFINS. Por meio do Recurso Extraordinário 592.616 (Tema 118), o STF iniciou o julgamento, já tendo sido proferidos dez votos, sendo cinco favoráveis aos contribuintes e cinco desfavoráveis, restando ainda pendente o voto do Ministro Luiz Fux.
O julgamento foi suspenso, mas, considerando o entendimento já exposto pelo Ministro quando do Tema 69, há bons motivos para se acreditar que, por coerência, seu voto (na prática, de minerva) desempatará a discussão a favor dos contribuintes, confirmando a inconstitucionalidade da inclusão do ISS na base de cálculo da Contribuição ao PIS/COFINS.
Por outro lado, o STF, quando do julgamento do Tema 1048, também se manifestou acerca da constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB, tributo previdenciário que, assim como a Contribuição ao Funrural, substitui as contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre a folha de salários.
Na ocasião, os Ministros entenderam, por maioria de votos, que o ICMS deve sim integrar a base de cálculo da CPRB. Em apertada síntese, o voto deixou de aplicar o precedente definido no Tema 69 porque o regime substitutivo analisado permitiria ao contribuinte optar se se sujeitaria ou não a esta nova sistemática de tributação previdenciária.
Diante da faculdade conferida ao contribuinte, portanto, a tributação deveria ser interpretada de maneira literal. Ou seja, entendeu o voto condutor que apenas se admitiria a exclusão da base de cálculo da CPRB de parcelas expressamente listadas em lei. O elemento-chave que justificou a inclusão do ICMS na base da CPRB foi, portanto, a facultatividade na adesão ao regime substitutivo.
Necessário discriminem entre os regimes previdenciários substitutivos: CPRB e Funrural não são o mesmo tributo
Diante deste cenário de incertezas, faz-se necessário analisar se o caso ora em estudo assemelha-se mais àquele definido no Tema 69 (favorável aos contribuintes) ou ao Tema 1048 (desfavorável).
Como visto acima, a Contribuição ao Funrural, ao contrário da CPRB, não é facultativa. A obrigatoriedade deste regime substitutivo decorre, além da própria imposição legal, da sazonalidade inerente às atividades econômicas ligadas ao agronegócio. Em períodos de entressafra o recolhimento previdenciário sobre a folha mostrava-se sobremodo oneroso ao produtor rural, resultando em indesejada inadimplência.
O regime substitutivo proposto possibilitou a vinculação da arrecadação previdenciária ao momento em que ocorre a comercialização da produção, minimizando o desencaixe de fluxo de caixa e mitigando, desta forma, o risco de sonegação.
Além disso, não consta em quaisquer dos diplomas legais que introduziram a Contribuição ao Funrural em nosso ordenamento jurídico que este regime substitutivo tenha como motivação a redução da carga tributária, ou que se trate de benefício fiscal que mereça ser interpretado restritivamente. Pelo contrário, como visto acima, o interesse era justamente aumentar a arrecadação previdenciária de contribuintes-empregadores ligados ao agronegócio.
Como se vê, portanto, os principais fundamentos que justificaram a inaplicabilidade do decidido no Tema 69 ao Tema 1048 (em que se discutia a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB) não encontram paralelo no que concerne à Contribuição ao Funrural, pelo que nos parece fazer sentido que a ratio decidendi utilizada no Tema 69 seja aplicada à tese tratada neste estudo.
Isso porque, o contexto jurisprudencial atual, para além de afirmar a constitucionalidade do regime previdenciário substitutivo instituído pela Lei n. 10.256/01 (Tema 281), confirmou que o supedâneo constitucional que o fundamenta está previsto no artigo 195, inciso I, da Carta Magna, firmando o seguinte enunciado:
“É constitucional o art. 22A da Lei nº 8.212/1991, com a redação da Lei nº 10.256/2001, no que instituiu contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição ao regime anterior da contribuição incidente sobre a folha de salários.”
Em outras palavras, há aqui o reconhecimento expresso de que o mesmo conceito de “receita bruta” que autorizou a instituição da Contribuição ao PIS e da COFINS também fundamenta a instituição da atual Contribuição ao Funrural. Significa dizer, portanto, que ao menos a princípio, as mesmas grandezas econômicas que não devem ser consideradas “receita bruta” para fins de apuração da Contribuição ao PIS/COFINS, também não deveriam ser consideradas na apuração da Contribuição ao Funrural.
Não obstante, identificamos alguns precedentes no STF, ainda isolados e decorrentes de decisões monocráticas (ARE n. 1346959/PE, ARE 1395514 RE n. 1445433/PR) que, entendendo de maneira diversa, julgaram constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição ao FUNRURAL, aplicando, por analogia, os mesmos fundamentos utilizados na discussão acerca da CPRB.
É de se ressaltar que os Ministros Relatores destes casos (Ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, respectivamente) também se pronunciaram de maneira contrária à aplicação do Tema 69 (ICMS) ao Tema 118 (ISS). Em outras palavras, nos parece que o entendimento pessoal destes Ministros está naturalmente alinhado a uma interpretação mais restritiva acerca da matéria, de maneira que o posicionamento deles em relação à Contribuição ao Funrural não chega exatamente a causar surpresa.
Sem embargo destas considerações, contudo, é de suma importância que o assunto seja levado ao plenário da Corte para que, na oportunidade, o debate proposto seja mais bem aprofundado, sobretudo para que as evidentes distinções existentes entre os regimes substitutivos da Contribuição ao Funrural e da CPRB possam ser melhor avaliadas e, com isso, tenhamos um julgado mais técnico e fundamentado.
A equipe do BALERA está à disposição para auxiliá-los sobre esse tema.
Por:
Renato Tonini
Janeiro, 2025.
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