Rediscussão sobre a natureza jurídica das horas extras à luz da Lei nº 13.485/2017

A jornada de trabalho compreende o período em que o empregado deve exercer suas atividades laborativas ou ficar à disposição do empregador. Conforme previsto na Constituição Federal, em seu art. 7º, XIII, a duração da jornada de trabalho não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais.

“Art. 7º:

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal.”

O empregado que ultrapassar essa jornada terá direito ao recebimento de horas extras, que é composta pelo valor do salário acrescido, no mínimo, de 50%, nos termos do §1º do art. 59 da CLT.

Nesse sentido, o pagamento das horas extras visa garantir uma compensação pelas horas em que o empregado exerce suas atividades laborativas além do horário habitual, porque repara o dano causado em razão do descumprimento da jornada de trabalho estipulada no contrato laboral.

Sobre esse tema, existe uma grande discussão acerca da natureza jurídica das horas extras. Em 23/04/2014, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo nº 687 (REsp nº 1.358.281/SP), firmou o entendimento de que “as horas extras e seu respectivo adicional constituem verbas de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária”. Dessa forma, o STJ definiu que as horas extras possuem natureza remuneratória devendo integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias e, consequentemente, os reflexos trabalhistas.

Essa decisão foi amplamente aplicada pelos tribunais e, em virtude de seu caráter vinculante, não poderia ser rediscutida, portanto estabeleceu um paradigma de interpretação que tem prevalecido desde então.

Ocorre que, em 28/11/2017, foi aprovada no Congresso Nacional a Lei nº 13.485/2017, que dispõe “sobre o parcelamento de débitos com a Fazenda Nacional relativos às contribuições previdenciárias de responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e sobre a revisão da dívida previdenciária dos Municípios pelo Poder Executivo Federal”.

Ao prever, em seu artigo 11, inciso IV, alínea “b”, que as horas extras têm caráter indenizatório, o contexto normativo sofreu uma alteração substancial e reacendeu o debate sobre a natureza jurídica das horas extras, conforme se verifica no dispositivo:

“Art. 11. O Poder Executivo federal fará a revisão da dívida previdenciária dos Municípios, com a implementação do efetivo encontro de contas entre débitos e créditos previdenciários dos Municípios e do Regime Geral de Previdência Social, decorrentes, entre outros, de:

IV – valores referentes às verbas de natureza indenizatória, indevidamente incluídas na base de cálculo para incidência das contribuições previdenciárias, tais como:

b) horário extraordinário.”

Assim, a discussão a respeito da natureza jurídica das horas extras ganhou novos contornos, visto que, ao tratar dos pagamentos efetuados aos servidores públicos, expressamente caracterizou a verba como sendo de natureza indenizatória.

Embora a legislação em questão esteja diretamente relacionada à revisão da dívida previdenciária dos Municípios, sobretudo as contribuições devidas sobre as horas extras pagas aos servidores públicos, que são majoritariamente regidos pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), é imprescindível reconhecer que a natureza jurídica das horas extras como verba indenizatória se aplica aos trabalhadores da iniciativa privada, os quais são segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Isso se justifica porque a lei explica o motivo da exclusão das contribuições sobre as horas extras do débito previdenciário: incidiram sobre verbas de natureza indenizatória.

Além disso, esse entendimento encontra respaldo, também, no princípio da equidade na forma de participação do custeio da Seguridade Social, previsto no art. 194, parágrafo único, inciso V, da Constituição Federal:

“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes princípios:

V – equidade na forma de participação no custeio.”

Assim, considerando a inexistência de distinções no princípio constitucional que norteia a participação no custeio da Seguridade Social, não se justifica a adoção de entendimentos divergentes quanto à natureza jurídica das verbas pagas aos servidores públicos e aos trabalhadores da iniciativa privada a título de horas extras, ainda que submetidos a regimes previdenciários distintos.

Contudo, a rediscussão sobre o caráter indenizatório das horas extras ainda é incipiente no âmbito jurisprudencial. As primeiras discussões sobre a matéria resultaram em decisões desfavoráveis aos contribuintes, em razão da aplicação automática do entendimento consolidado, anteriormente, pelo STJ no julgamento do Tema nº 687, desconsiderando a inovação legislativa introduzida pela Lei nº 13.485/2017.

Um marco relevante para essa (re)discussão ocorreu em 23 de outubro de 2024, quando o juiz da 3ª Vara Federal de Volta Redonda/RJ proferiu decisão favorável aos contribuintes ao reconhecer o caráter indenizatório das horas extras a partir de 28/11/2017, em conformidade com a Lei nº 13.485/2017.

Diante disso, a controvérsia sobre a natureza jurídica das horas extras exige uma análise criteriosa que considere os avanços legislativos e a evolução jurisprudencial. A aplicação automática do entendimento consolidado no julgamento do Tema Repetitivo nº 687, em 2014, ignora a superveniência da Lei nº 13.485/2017, a qual alterou a natureza jurídica das verbas de horas extras e seu respectivo adicional.

A equipe do BALERA está à disposição para auxiliá-los sobre esse tema.

Por:

Ana Paula Ricci Fernandes

Janeiro, 2025.

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