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Ausência de Comunicação de Novo Endereço no Cadastro Municipal não Convalida a Execução de Taxas

Por Caroline Khirallah

Dentre as espécies de tributos existentes no ordenamento jurídico interno, as taxas foram contempladas pela Constituição Federal em seu art. 145, inciso II, e pelo Código Tributário Nacional em seu art. 77, os quais estabelecem a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para as instituírem nas seguintes situações: i) em razão do exercício do poder de polícia; ii) pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.

Considera-se, portanto, que as taxas são tributos diretamente vinculados à atuação estatal, de maneira que seu fato imponível se encontra adstrito à atividade da Administração Pública, tornando-as exações sinalagmáticas. Sobre o caráter contraprestacional das taxas, Paulo de Barros Carvalho[1] assinala que:

Em qualquer das hipóteses previstas para a instituição de taxas — prestação de serviço público ou exercício do poder de polícia — o caráter sinalagmático deste tributo haverá de mostrar-se à evidência, como já lecionara Alberto Xavier e como bem sintetiza Edvaldo Brito, em preciosa colaboração ao 43º Congresso da “International Fiscal Association”.

Nestes termos, vale ressaltar que as taxas não possuem fato gerador consubstanciado em verbo que reverencia a prática de atividade pelo contribuinte já vinculada a algum imposto, como auferir renda, ser proprietário de veículo automotor, comercializar mercadorias, entre outras, mas se refere a uma prestação atrelada ao ente estatal pelo exercício de seu poder de polícia ou em razão de serviço prestado por ele, consoante vedação expressa do art. 145, §2º, da Constituição Federal.

Hugo de Brito Machado[2] analisa os dispositivos que regulamentam as taxas, evidenciando que a atuação do ente federativo na instituição de tais tributos se justifica quando mantém específica relação com o contribuinte, isto é, quando é possível determinar a qual sujeito passivo o serviço está sendo prestado e o quanto deste serviço está sendo efetivamente aproveitado por ele ou posto à sua disposição, bem como, no caso do poder de polícia, salienta que tal poder deve estar sendo efetivamente realizado sobre o contribuinte.

Utilizando-se como recorte as taxas municipais, sejam elas relacionadas a serviços efetivamente ou potencialmente utilizados, sejam elas decorrentes do poder de polícia, é imperioso que se aplique a regra matriz de incidência tributária.

Do contrário, caso não sejam observados os estritos termos demarcados pelo legislador, estar-se-á diante de situação que torna nula a cobrança do tributo.

Ocorre que não são raras as situações em que as empresas alteram a localização de sua sede para outro Município e deixam de promover a atualização no cadastro municipal, registrando a informação apenas na Junta Comercial competente.

Por conseguinte, a autoridade tributante realiza a inscrição da empresa em dívida ativa e ingressa com ação de execução fiscal, objetivando obter a satisfação de crédito constituído em razão do não pagamento das taxas municipais (tais como taxa de alvará, taxa de controle e fiscalização ambiental, taxa de vigilância sanitária, taxa de localização e funcionamento, entre outras). No entanto, ainda que a parte tenha deixado de comunicar acerca da alteração de seu endereço, tal questão não supre a ausência do fato gerador do tributo.

Logo, verificando-se não haver mais atividade empresarial da executada no Município exequente, é latente a existência de mácula no critério espacial da Regra Matriz de Incidência Tributária, pois a competência territorial do ente tributante não se exerce ilimitadamente, ultrapassando fronteiras, mas somente se opera dentro de determinado espaço físico em que a norma incide. Tendo em vista que são as legislações que instituem e regulamentam a tributação Municipal, tais textos normativos apenas poderão produzir efeitos em tal âmbito, não podendo se estender para fora do espaço de incidência da norma. Neste viés, tem-se que a não observância de critério atinente à hipótese/antecedente afeta o consequente, impedindo que se consolidem os critérios pessoal e quantitativo.

Em tais situações, não se pode deixar de distinguir a obrigação principal da acessória. A primeira, estabelecida no consequente da regra matriz de incidência tributária, refere-se ao vínculo abstrato que une os sujeitos da relação jurídica (sujeito ativo e o sujeito passivo), por força de objeto que se perfaz em uma prestação pecuniária. Por outro lado, a obrigação acessória tem caráter de dever instrumental ou formal que propicia que se operem os efeitos práticos dos tributos. Essas definições decorrem do próprio Código Tributário Nacional que, em seu art. 113, §1º e §2º, estabelece a independência das citadas obrigações.

Portanto, ajustando-se os conceitos supramencionados ao caso em voga, a obrigação principal pressupõe a atuação estatal e se encerra no momento do pagamento das taxas, enquanto a inscrição no cadastro municipal e sua posterior baixa são meramente obrigações acessórias, não podendo sozinhas fundamentar a cobrança da obrigação principal.

A falta de cumprimento da obrigação acessória em comento, isto é, deixar de comunicar a alteração da sede da empresa, no máximo levaria à sanção pelo seu descumprimento por meio da aplicação de multa, não podendo interferir, evidentemente, na legitimidade da cobrança da obrigação principal. Tal entendimento decorre da interpretação do art. 3º[3], do CTN, que veda a utilização do tributo como meio de prestação punitiva, de maneira que a falta de comunicação do domicílio fiscal não pode ser fundamento para a formação de obrigação tributária.  O Poder Judiciário tem sedimentado jurisprudência neste mesmo sentido, a saber:

(…)não ocorrência do fato geradorimpossibilidade de o fisco municipal exercer o poder de polícia efetivo ou potencial. inexigibilidade dos tributos. não comunicação da alteração de endereço que constitui mera irregularidade administrativa que, entretanto, não torna a exação devida. (…)[4] (g. n.)

Em suma, se a empresa deixa de comunicar ao Município que realizou a transferência de seu estabelecimento para Município diverso, apenas se perfaz o descumprimento de obrigação acessória, sujeito à multa, tornando necessária a extinção da demanda de execução fiscal consubstanciada em título executivo decorrente da ausência de pagamento de taxas municipais, em face da não ocorrência do fato gerador do tributo.


[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 29ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Pág. 70.

[2] MACHADO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. 10ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018. Pág. 58.

[3] Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

[4] TJ-SC – AI: 40157935420188240900 Seara 4015793-54.2018.8.24.0900, Relator: Vilson Fontana, Data de Julgamento: 01/08/2019, Quinta Câmara de Direito Público